A cartola mágica de Amélie Nothomb

Era uma vez uma princesa. Dona de uma beleza estonteante e rara que, contrariamente ao que possam imaginar as feias que não perdoam Vinicius, não a ajudava a ser feliz.

Seus traços perfeitos e sua silhueta etérea deixavam transparecer vez ou outra uma profunda melancolia, ora adornada pela diadema da inocência, ora pelo véu de uma inteligência fora do comum obcecada com ideias de morte.

Quem já leu mais de um romance de Amélie Nothomb sabe que vai se deparar a cada “rentrée” – essa época do ano em que se inicia o ano escolar no Hemisfério Norte – a esse mesmo personagem. Uma menina-mulher, ares de princesa enigmática, bela, simultânea e paradoxalmente, presa e predadora…

Na publicação de 2015 (Amélie Nothomb lança um livro por ano desde 1992),   “Le crime du compte Neville” (O crime do conde Neville) , ela aparece encarnada em Sérieuse, filha pubescente e silenciosa do nobre – e falido – proprietário do “château” Le Pluvier.

Entretanto, como anuncia o próprio titulo, a história está longe de ser um conto de fadas : obrigado a vender a morada familiar, caixa-forte das memórias, dos hábitos e, principalmente, das aparências de várias gerações aristocráticas, o conde Neville decide organizar uma última grande festa.

Mas entre projetos de cascatas de champanhe e muita pompa, uma premonição funesta se infiltra ; uma vidente, que acolhe sua filha Sérieuse após uma fuga, anuncia ao anfitrião da luxuosa “garden party” que ele irá inexoravelmente matar um de seus convidados. E como todo rei de mundanidade que se preze, o conde sabe muito bem que assassinar um conviva não é, definitivamente, de “bon ton“.

Esse é o ponto de partida dessa história curta e inspirada deliberadamente de um conto de Oscar Wilde, “O Crime do Lorde Arthur Savile”. Mas fora de questão tentar envenenar uma velha tia que sofre de azia : Sérieuse, alter-ego juvenil da autora ao prenome esdrúxulo (como de praxe em sua prosa) sente-se apática a ponto de morrer. E oferece a seu nobre pai a possibilidade de ser a vítima do crime que ainda vai cometer. Tudo para não estragar sua última festa.

O humor negro de Amélie Nothomb – ela mesma titularizada baronesa em julho de 2015 – vai construindo o fio condutor da intriga, através de diálogos afiados que vão ao limite do disparate. É esse talvez o maior talento desta escritora belga : ao brincar de maneira original com as palavras, ela cria na ponta de frases curtas a surpresa que provoca invariavelmente o riso, dando a impressão ao leitor de estar diante de uma cena de teatro, sem o espartilho formal típico dos roteiros. Ou ainda, de ser espectador de uma cena do “A Lenda Cavaleiro sem cabeça” de uma espécie de Tim Burton das letras.

Desprovidos de maniqueísmos – nunca totalmente bons nem completamente maus, apenas humanos acometidos de desejos contraditórios, como todo mundo – seus personagens revelam raramente aspectos de suas profundezas psicológicas. Adicionado à brevidade e ao dinamismo das frases que compõem as poucas páginas dos romances da mais nova baronesa de Bruxelas, o estilo acaba por dar pano pra manga a seus detratores, que denunciam uma certa indigência literária, atribuída geralmente aos escritores sem talento.

Mas a estranha Amélie não é permeável a criticas. Suas mulheres/princesas , prisioneiras de castelos medievais ou simplesmente sublimes habitantes de um cotidiano sombrio, continuam a chegar nas prateleiras das melhores casas do ramo, inexoravelmente, a cada mês de Setembro. E realizam, enquanto vitimas ou protagonistas de pulsões de morte diversas, as fantasias de feminilidade da escritora (assim como as de seus fãs incondicionais, que esperam pacientemente por horas a fio em frente às FNACs por mais uma dedicatória).

Não importa o quão longa sejam as mangas com as quais os críticos de seu sucesso midiático alfaiatam – e alfinetam – sua fórmula ( que, não sem uma certa razão, é considerada repetitiva ). A belga faz com cada uma delas elas a camisa de força com a qual alegremente se apresenta nos programas de entrevistas, seguindo, inabalável, em sua conquista de amantes da literatura francófona. E ela vai acompanhada de seus ogros, beldades e mitos indissociáveis de sua própria personalidade excêntrica, extraindo fábulas tão longas quanto um tweet, num passe de mágica, de um de seus mais improváveis chapéus.

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Nota do Marcel pro novo livro da Amélie Nothomb :  
“Bien bien, mas 15 “balles” por um livrinho de menos de 150 paginas é um verdadeiro ‘foutage de gueule“‘

Flash Dicionário

Balles : tostão, dindim, pilas, enfim, tudo o que começa a faltar no bolso da classe média depois do escândalo da Petrobras.
Foutage de gueule : = o próprio escândalo da Petrobras.

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